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A infraestrutura do século XXI

Sustentável, econômica, interligada e preparada para as mudanças climáticas.

Não é só o Brasil que apresenta um extraordinário déficit de infraestrutura. E não é só o Brasil que corre fortemente o risco de preencher este déficit de forma equivocada, fazendo investimentos com o nefasto poder de pavimentar o caminho para o atraso e a insustentabilidade. Juntar infraestrutura, luta contra as mudanças climáticas e desenvolvimento sustentável é uma das mais importantes preocupações da Comissão Global sobre a Economia e o Clima, que reúne um poderoso time de economistas e dirigentes políticos e empresariais em torno do tema.

A ideia central da comissão é que não basta criar as condições macroeconômicas e os incentivos microeconômicos para que sejam feitos investimentos em infraestrutura. Claro que estes investimentos são indispensáveis como bem o apontaram os membros do G20, quando lançaram, em 2014, o Global Infrastructure Hub, uma tentativa de estimular parcerias público privadas para suprir o gigantesco déficit de infraestrutura no mundo todo.

Mas o recém-lançado plano de negócios do Global Intrastructure Hub chama a atenção pela ausência de qualquer menção a mudanças climáticas. Na verdade, não só o G20, mas a esmagadora maioria dos planejadores públicos e privados, bem como os bancos de desenvolvimento costumam colocar infraestrutura e mudanças climáticas em compartimentos separados e independentes um do outro. Que o Brasil precise ampliar suas ferrovias, melhorar e aumentar suas rodovias, portos e aeroportos, que o saneamento tenha que se tornar a prioridade das prioridades não há dúvida. Mas convém mencionar três riscos fundamentais apontados pela Comissão e que fornecem um excelente quadro normativo para repensar a infraestrutura.

Em primeiro lugar, as infraestruturas atuais serão cada vez mais vulneráveis aos impactos dos eventos climáticos extremos. 40% dos sinistros pagos mundialmente pela Seguradora Allianz em 2013 decorreram de tempestades e inundações e isso absolutamente não estava na previsão de seus técnicos. As dez maiores catástrofes cobertas pela seguradora relacionaram-se, naquele ano, a mudanças climáticas. No Brasil, a seca no Sudeste não só colocou em risco o abastecimento das grandes metrópoles, mas ameaçou a principal fonte de energia elétrica do País.

O segundo risco está naquilo que os economistas chamam de lock in, ou seja, a permanência numa certa trajetória tecnológica não por ser ela a mais barata ou a mais eficiente e sim por estar já instalada e funcionando. Ampliar os investimentos no pré-sal, por exemplo, significa perenizar por décadas toda a cadeia de valor ligada a sua exploração, além de ser um imenso incentivo a que o setor de transporte siga na dependência do uso de combustíveis fósseis. Da mesma forma, levar adiante os projetos de usinas hidrelétricas no Tapajós traz consigo a necessidade de construir linhas de transmissão e um modelo de geração e distribuição de energia elétrica que afasta o Brasil da fronteira tecnológica da inovação neste setor e das condições necessárias para que as renováveis modernas (eólica e solar) ganhem maior relevância. Uma vez feitos os investimentos nesta direção, eles terão que ser rentabilizados, reduzindo as chances de alternativas melhores. 

O terceiro risco apontado pela Comissão refere-se à perda de valor e de rentabilidade dos investimentos em combustíveis fósseis. Já assume dimensão gigantesca o movimento pelo qual grandes investidores afastam-se do setor. A União Europeia acaba de aprovar uma legislação pela qual os fundos de pensão do Continente (3,2 trilhões de euros para 75 milhões de cidadãos) são obrigados a levar em conta os riscos climáticos nos ativos em que investem. Nas Filipinas, a Comissão de Direitos Humanos está processando as empresas de petróleo para que arquem com o pagamento dos danos provocados por eventos climáticos extremos que penalizaram sobretudo suas populações mais pobres.

A menção a estes riscos mostra que melhorar o ambiente regulatório, ampliar a confiança nos contratos, acabar com a promiscuidade entre grandes empreiteiras e Governo, estas são condições necessárias, mas nem de longe suficientes para a infraestrutura de que a economia do século XXI necessita.

Mas além dos riscos levantados no documento da Comissão Global sobre a Economia e o Clima, é importante que a infraestrutura se inspire em dois objetivos básicos:
O primeiro é a economia de recursos. Tudo indica, por exemplo, que as construções hoteleiras para os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro tenham sido seriamente superestimadas, o que conduzirá não só a imensa perda de recursos privados, mas também a um desperdício imenso dos materiais e da energia na sua construção. Que se trate de água, energia ou mobilidade, as oportunidades de obter comodidades com menor uso de recursos são imensas. A revolução digital amplia estas possibilidades, por meio do rastreamento minucioso da produção e do consumo, mas também do estímulo a formas colaborativas de uso dos recursos. As inúmeras iniciativas nesta direção vêm crescendo de forma animadora.

O segundo objetivo consiste em reduzir a distância que separa o Brasil da fronteira tecnológica contemporânea, composta por robotização, big data, inteligência artificial e internet das coisas. Como bem mostra o livro recém lançado de Kevin Kelly tudo o que, desde a revolução industrial foi eletrificado, está sendo, agora, “cognificado”. A oferta contemporânea de bens e serviços vai-se apoiar, cada vez mais, na interatividade entre os objetos conectados em rede e fornecendo informações não só sobre seu próprio desempenho, mas também sobre os comportamentos de seus usuários. Esta é uma força tecnológica que abre um caminho promissor para ampliar a economia de recursos. Além das telas de computadores, haverá na internet em 2020 nada menos que 50 bilhões de objetos interconectados. A indústria vai apoiar-se fortemente nestas capacidades de conexão.

É o que um relatório recente da consultoria global Accenture chama de Internet Industrial das Coisas (Industrial Internet of Things). A consultoria pesquisou a probabilidade de adoção destas tecnologias que marcam o futuro da indústria contemporânea em vinte países e o Brasil encontra-se sistematicamente nas piores colocações. É fundamental que a melhoria do ambiente capaz de estimular investimentos em infraestrutura tenha como objetivo ampliar as chances de que o Brasil reduza sua distância do que de mais inovador a revolução digital hoje oferece.

Por Ricardo Abramovay