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Opinião: O direito ao desembaraço de mercadorias

Valéria Zotelli alerta “é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”

Apesar de o Supremo Tribunal Federal ter editado há mais de 50 anos a Súmula 323, que prevê que “é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”, ainda é comum o condicionamento do desembaraço de mercadorias importadas ao pagamento de tributos, especialmente quando há dúvidas quanto à classificação do produto importado.

Fosse referida Súmula devidamente aplicada, se após os devidos esclarecimentos prestados pelo importador persistisse a convicção sobre a incorreção da classificação adotada, caberia ao fiscal aduaneiro a lavratura de auto de infração para exigência do tributo, realizando-se, em seguida, a liberação dos produtos. Porém, via de regra, assim não se dá.

Dado que, quase sempre, mercadoria não desembaraçada é sinônimo de prejuízo, é comum optar-se pela quitação do tributo exigido para, eventualmente, tentar-se depois recuperá-lo. Porém, havendo tempo hábil, o importador deve insistir na busca de seu direito. Primeiramente, é essencial a apresentação de esclarecimentos à fiscalização, que devem ser breves, objetivos e com elementos aptos a demonstrar o porquê da correção da classificação adotada.

Deixa-se claro que, de nada vale a apresentação de contestação genérica, afirmando-se simplesmente que houve equívocos pela fiscalização. É preciso, efetivamente, demonstrar-se que a classificação se deu de acordo com a NCM – Nomenclatura Comum do MERCOSUL, e mediante a correta aplicação das Regras Gerais para Interpretação (RGI) e Regras Gerais Complementares (RGC). Trata-se de regras de classificação muitas vezes desconhecidas pelos contribuintes e cuja não aplicação pode trazer consequências tributárias extremamente graves, questão a ser tratada em futura oportunidade.

A despeito do fundamental papel que o despachante aduaneiro exerce no processo de importação, deve-se, nestes casos, adotar postura mais efetiva, que implica, inclusive, na realização de audiência com a fiscalização, com a presença de técnicos do importador aptos a demonstrar a especificidade do produto. Se nem assim houver o convencimento da autoridade aduaneira, o contribuinte deve avaliar a utilização da via judicial, não para discutir, deixa-se claro, a correção ou não do seu entendimento, mas para obter liminar que determine à autoridade aduaneira que realize a imediata liberação da mercadoria, utilizando-se do meio hábil para exigência do tributo, qual seja, a lavratura do auto de infração.

Obviamente, a adoção dessa alternativa deve estar amparada na convicção de que a classificação adotada é a correta, já que a lavratura do auto de infração implica a imputação de multa de, pelo menos, 75% do valor do tributo exigido, e que será exigida caso o auto de infração venha a ser confirmado. Porém, se há tal convicção, o contribuinte deve fazer valer os termos do Súmula 323 do STF, ao invés de, desde logo, submeter-se à quitação dos tributos exigidos.

Valéria Zotelli, é advogada e sócia do escritório Miguel Neto Advogados.